sexta-feira, 21 de março de 2014

O GALO QUE CANTAVA PARA O SOL NASCER



O GALO QUE CANTAVA PARA O SOL NASCER

Era uma vez um galo que acordava bem cedo todas as manhãs e dizia para a bicharada do galinheiro:
             -Vou cantar para fazer o sol nascer…
            Ato contínuo, subia até o alto do telhado, estufava o peito, olhava para o nascente e ordenava, definitivo:
             -Có-có-ri-có-có… E ficava esperando.
             Dali a pouco a bola vermelha começava a aparecer, até que se mostrava toda, acima das montanhas, iluminando tudo.
             O galo se voltava, orgulhoso, para os bichos e dizia: Eu não falei?
             E todos ficavam biquiabertos e respeitosos ante o  poder tão extraordinário conferido ao galo: cantar pra fazer o sol nascer. Ninguém duvidava. Tinha sido sempre assim. Também o galo-pai cantara para fazer o sol nascer, e o galo-avô.
              Tal poder extraordinário provocava as mais variadas reações. Primeiro, os próprios galos não estavam de acordo. E isto porque não havia um galo só. Quando a cantoria começava, de madrugada, ela ia se repetindo pelos vales e montanhas. Em cada galinheiro havia um galo que pensava a mesma coisa e julgava todos os outros uns impostores invejosos. Além do que não havia acordo sobre a partitura certa para fazer o sol nascer. Cada um dizia que a única verdadeira era a sua, todas as outras sendo falsificações e heresias. Em cada galinheiro imperava o terror. Os galos jovens tinham de aprender a cantar do jeitinho do galo velho, e se houvesse algum que desafinasse ou trocasse bemóis por sustenidos, era imediatamente punido. Por vezes, a punição era um ano de proibição de cantar. Sendo mais grave o desafino, ameaçava-se com o caldeirão de canja do fazendeiro, fervendo sobre o fogão de lenha.
             Depois havia grande ansiedade entre os moradores do galinheiro. E se o galo ficasse rouco? E se esquecesse da partitura? Quem cantaria para fazer nascer o sol? O dia não amanheceria. E por causa disso cuidavam do galo com o maior cuidado. Ele, sabendo disso, sempre ameaçava a bicharada, para ser mais bem tratado ainda.
             -Olha que eu enrouqueço! Dizia. E todos se punham a correr, para satisfazer as suas vontades.
              Aconteceu, como era inevitável, que certa madrugada o galo perdeu a hora. Não cantou para fazer o sol nascer. E o sol nasceu sem o seu canto.  O galo acordou com o rebuliço no galinheiro. Todos falavam ao mesmo tempo.
             -O sol nasceu sem o galo… O sol nasceu sem o galo…
              O pobre galo não podia acreditar naquilo que os seus olhos viam: a enorme bola vermelha, lá no alto da montanha. Como era possíve1? Teve um ataque de depressão ao descobrir que o seu canto não era tão
poderoso como sempre pensara. E a vergonha era muita.
              Os bichos, por seu lado, ficaram felicíssimos. Descobriram que não precisavam do galo para que o sol nascesse. O sol nascia de qualquer forma, com galo ou sem galo. Passou-se muito tempo sem que se ouvisse o cantar do galo, de deprimido e humilhado que ele estava. O que era uma pena: porque é tão bonito. Canto de galo e sol nascente combinam tanto. Parece que nasceram um para o outro.
              Até que, numa bela manhã, o galinheiro foi despertado de novo com o canto do galo. Lá estava ele, como sempre, no alto do telhado, peito estufado.
              -Está cantando para fazer o sol nascer? Perguntou o peru em meio a uma gargalhada.
              -Não, ele respondeu. Antes, quando eu cantava para fazer o sol nascer, eu era doido varrido. Mas agora eu canto porque o sol vai nascer. O canto é o mesmo. E eu virei poeta.
     

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