terça-feira, 23 de agosto de 2011

Artigo sobre brincadeiras

ENSINA-ME A BRINCAR



Erik Ferreira Campos ( Pedagoga, Especialista em Educação Especial e Educação Infantil, Professora de Educação Infantil da Rede Municipal de Ensino de Itabuna-BA)
erikgabicampos@hotmail.com





Resumo: O presente estudo relatará sobre a importância da brincadeira a partir de uma reflexão sobre as brincadeiras tradicionais e o brincar das crianças na atualidade.
Destaca a importância da transmissão das brincadeiras tradicionais na escola como forma de possibilitar a crianças a apropriação da cultura como instrumento para o desenvolvimento da imaginação e criatividade.



Palavras Chave: Brincadeiras Tradicionais, Lúdico, Brincar infantil, Função da escola.

ENSINA-ME A BRINCAR

A temática deste artigo surgiu de forma inusitada em um destes preciosos momentos em que as crianças nos proporcionam grandes lições. Por este motivo, este artigo começa com uma história.
Outro dia meu filho de 4 anos me pediu um jogo de cartas de um personagem de desenho animado, embora considerasse o desenho animado violento, comprei o jogo. Queria que meu filho ficasse muito feliz com o novo brinquedo, contudo, passado o momento inicial de vislumbramento com as figuras das cartas, o jogo foi jogado num canto. Pouco depois meu filho pediu outro brinquedo e eu perguntei onde estava o jogo que a pouco eu lhe dera. Ele então se dirigiu ao local onde estava o jogo, pegou-o e trouxe até mim dizendo: “Mãe, então você me ensina a brincar?”.
Talvez o Gabriel nunca perceba o quanto sua pergunta fez ninho em minha cabeça, mas os filhotinhos dela não param de nascer. Como educadora e mãe muitas questões estão me inquietando:
Não sei quem me ensinou a roubar melancia no quintal da vizinha#, nem quem me ensinou a escolher a cor da fita#, mas nunca gostei de cair no bolo#, ou levar chicotadas#.
Só sei que foi assim, de brincadeira em brincadeira que fiquei rica de maré-de-si#, sabendo na vida real onde está meu anelzinho#.
Aprendi muito durante minhas brincadeiras, não porque meus pais conhecessem os estudos e teorias sobre o brincar ou sobre a natureza lúdica da atividade infantil, considerando as influencias deste ato na experiência criativa e o jogo simbólico. Mas porque na realidade em que eu vivi a atividade infantil era mesmo o não fazer nada, só brincar. Uma vez que era essa concepção é culturalmente muito presente: a relação da brincadeira com aquilo que não é sério.
Hoje, contudo, compreende-se que o ato de brincar da criança ocupa um espaço relevante na esfera do desenvolvimento. Pois o brincar é uma atividade lúdica criativa.
No brinquedo, entra em ação a fantasia. O indivíduo - criança ou adulto - ao brincar, transforma a realidade e a realidade o transforma; cria personagens e mundos de ilusão, coloca-se diante do risco, do imprevisto, do suspense. Não há necessidade do resultado a alcançar. Existem apenas expectativas, pode dar certo como pode dar errado. É esse o dinamismo do lúdico, que não pode ser identificado com determinadas atividades, mas, sim, entendido como uma atitude, uma mentalidade ou uma intencionalidade.
Aquelas brincadeiras tradicionais, passadas oralmente de geração a geração, fazem mais que entreter as crianças, elas ensinam a fazer escolhas, lidar com frustrações, conviver com o outro e respeitar regras entre outras coisas.
Mas o três, três, três passará, junto com o chicotinho queimado, cai no poço, lagarta pintada e tantas outras brincadeiras estão caindo no esquecimento. Em troca surgem novas brincadeiras características de um novo contexto.
No interior, a cerca de 15 ou 20 anos as crianças de várias idades brincavam em grupos, nos quintais ou mesmo nas portas, contando muitas vezes com a presença de adultos no desenvolvimento das brincadeiras ou como juízes. Muitas vezes eram os adultos que se encarregavam de aguçar a imaginação relatando sobre a experiência de seu tempo.
Hoje a maioria das pessoas tem poucos filhos, não há mais quintais espaçosos nas novas construções, é cada vez mais rara a conversa na porta do vizinho. A vida está mais agitada, há televisão, DVDs para todos os gostos, muitos CDs são produzidos com cantigas de roda, novos brinquedos são lançados a cada dia, novos jogos, vídeo-games, atrações na iternet...
Não houve prejuízo material, os avanços tecnológicos trouxeram o mundo para dentro de casa. Mas o prejuízo humano é imensurável, basta olhar o recreio de uma escola, aquele espaço quase infinito entre uma sirene e outra. As crianças correm de um lado a outro, se esbarram, gritam, agitam braços e pernas. O brincar é desarmônico, quase desastroso. Às vezes chegamos a suspirar: “as crianças de hoje não sabem brincar!”.
Mas elas sabem sim, elas aprenderam com seus instrumentos a criar outras possibilidades para o brincar. Possibilidades mas condizentes com o mundo individualista e violento que habitam. Mais condizentes com a ausência de referências que estão submetidas.
Parece que esquecemos que embora o brincar seja natural, a brincadeira é um dado cultural que está se perdendo.
Hoje a maioria das crianças tem acesso á escola (todas deveriam ter). A escola constitui um espaço privilegiado da cultura, onde o conhecimento e o ato criativo são imprescindíveis. É na escola que a criança vivencia experiências decisivas para a construção do seu modo de se colocar no mundo, e se relacionar com o outro.
Sendo o objetivo da Educação levar à conscientização, à humanização das pessoas, possibilitando a interpretação da e ação na realidade concreta dos indivíduos, é importante pensar na escola como uma instituição que desenvolve um trabalho essencialmente lúdico, prazeroso, fundado nas mais variadas experiências e no prazer de descobrir a vida, colocando as crianças em contato com uma variedade de estímulos e experiências que propiciem a ela seu desenvolvimento integral.
Ao considerar a natureza da criança como essencialmente lúdica, é importante que a ação educativa na educação infantil interprete os interesses imediatos das crianças e os saberes já construídos por elas, além de buscar ampliar o ambiente simbólico a que estão sujeitas, comprometendo-se em garantir o direito à infância que toda criança tem. Desta forma cabe ao professor ocupar-se em propiciar um ambiente lúdico, trazendo para a sala de aula as brincadeiras, não apenas para lembrar o seu tempo, mas para oferecer às crianças uma opção. Se as crianças não são ensinadas as brincadeiras como podem escolher como brincar.

É importante que se compreenda que a criança constrói seu conhecimento, mas ela precisa de subsídios para esta construção. Há coisas que se não forem transmitidas serão esquecidas, pois não há como surgirem em outros contextos. Quando nascemos o mundo já estava ai, mas ele não foi sempre assim. Precisamos nos apropriar de nossa história e cultura para intervir no presente projetando o futuro.


Referências Bibliográficas:

BENJAMIN, Walter. Reflexões: a criança, o brinquedo, a educação. São Paulo: Sumos Editorial, 1983.

SANS, Paulo de Tarso Cheida. A criança e o artista. Campinas: Papirus, 1995.

OLIVEIRA, Zilma de Morais Ramos (org). Educação Infantil: Muitos olhares. São Paulo: Cortez, 5 ed, 2001.

______________. Educação Infantil: Fundamentos e métodos. São Paulo: Cortez, 2002.

VYGOSTSKY, L. S. Formação Social da Mente. São Paulo: Martins Fontes, 1984.

Um comentário:

  1. Muito bom artigo Érika. As brincadeiras infantis nos servem como laboratório de pesquisa para responder a algumas ou muitas questões que tem relação direta com o desenvolvimento do aprendizado infantil.

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